por Fábio Menezes
O jovem Nicolas observava o céu,
enquanto o velho Jack preparava o drink do dia. Quando os dois estavam a sós, a
enorme varanda que tinha vista para a bela piscina se transformavam num navio
navegando, sem direção. Era uma noite fria de fim de outuno e ,segundo seus
olhos e imaginação, o céu estava cheio de caras feias.
- Hey Marujo, amanhã no
mesmo horário?
- Sempre Capitão.
- Lamento que se o
acaso o atrapalhar para chegar a tempo, haverá uma pena. O senhor terá que
andar na prancha marujo. Estamos entedidos?
Nicolas era um garoto
magro, cheio de sardas na cara que sempre estava vestido igual: Calça preta e
moletom vermelho. Seu mundo era um conto de fadas, e ele podia passar o dia
inteiro (quase) somente com sua imaginação. A maioria de seus amigos eram
imaginários.Bem mais legais que coleguinhas de escola, afinal. E, quem é que
precisa de mais amigos quando se tem o capitão todas as tardes? A mãe de
Nicolas frequentemente falava sobre Jack. "Meu pai brinca tanto com
Nicolas com essa história de navio, capitão e não sei o quê que tá começando a
ficar louco de verdade. O garoto pode viver com a cabeça no mundo da lua, mas não
um velho . Não consigo mais falar sério com ele e isso acontece desde que minha
mãe nos deixou. Porque diabos ele nunca consegue falar sério? "
O velho Jack, que na
verdade era José, se refugiava tanto quanto Nicolas dentro de sua imaginação.
Ninguém mais conseguia acreditar que sua saúde mental estava totalmente segura.
Quando sua mulher morreu, não derramou nenhuma lágrima. Apenas ficou dias e
dias isolado, e depois apareceu com um sorriso estampado no rosto, querendo ver
cada vez mais o neto de apenas seis anos. De repente virou 'pirata'. Foram
aparecendo cada vez mais fantasias, e acessórios de verdade como bussola,
luneta e até uma pistola enferrujada. Isso parecia lhe curar a dor, mas começou
a causar preocupação quando ele se retratava como capitão até mesmo quando o
garoto não estava lá. Quando lhe era feita a pergunta: "Você está
bem?" ou até mesmo "Você está louco?" ele apenas sorria. Havia
largado a bebida há tempos, mas de vez em quando a mãe de Nicolas ainda
procurava, em vão, vestígios de álcool pela casa.
Amigos inseparáveis,
cada dia explorando mais esse dom da magia que há dentro de cada um de nós, avô
e neto se divertiam o dia todo explorando ilhas no grande jardim, roubando
carga de outros navios, tomando o velho e bom vinho (Que não passava de
groselha).
Já era inverno. Nicolas
observava as caras feias no céu novamente, mas dessa vez suas idéias estavam
fixas nas dúvidas que sua mãe tinha sobre o velho Jack. Será que ele era mesmo
louco? O garoto morria de medo de perder o grande capitão para a loucura, sabia
que nunca encontraria amigo igual. Resolveu acreditar que seu avô não ficaria
triste com a pergunta e resolveu dizer, finalmente:
- Vovô?
- Quem é vovô aqui
marujo? Quer ser jogado aos tubarões?
- Eu quero falar sério
com o senhor. - Ao ouvir isso Jack abaixou um pouco os olhos e virou-se para o
garoto. Sentou no banco ao lado.
- Bem... Diga meu
rapaz.
- Mamãe sempre diz que
acha que o senhor tá ficando caduco, perdendo a noção da realidade. Isso é
verdade?
O velho Jack fitava o
horizonte. Ficou em silêncio, alguns instantes. Sua cabeça estava pensando em
coisas tristes, mas sua expressão era apenas de uma pessoa pensativa e nenhuma
lágrima ameaçou embaçar sua visão. Ainda com os olhos longe, começou a falar.
- Sabe garoto... Minha
vida foi muito feliz no geral. Mesmo não tendo conquistado todos meus sonhos,
minha família tornou tudo muito feliz. Quando eu pensava ter chegado ao final,
minha vida estava feita e eu continuava a sonhar. Uma tristeza repentina as
vezes me visitava, trazendo saudade de quando eu era jovem e ainda podia correr
atrás das coisas, mas logo passava. Até que sua avó me deixou... Eu não
conseguia me conformar que estava nessa sem ela. Eu era um velho, sem a coisa
mais preciosa que Deus já colocou em minha vida. Passado um tempo, eu percebi
como conseguia deixar algumas tristezas de lado. As vezes deitava na cama e
ficava imaginando que Dona Laura ainda estava comigo. Que estavamos viajando,
mar a fora. O mar sempre foi minha paixão.
Ele ficou quieto,
alguns segundos. Perdeu as palavras. Nicolas não conseguia dizer nada e
lágrimas deslizavam sobre sua face. Jack, olhando no fundo de seus olhos, disse
palavras que o garoto nunca conseguiu esquecer.
- O que eu estou
tentando dizer meu garoto - E agora seus olhos não eram mais secos e brancos. -
Tirando pouquíssimas coisas que eu tenho de verdade... Da realidade, pouco me
interessa.
Vila Dos Contos - Pequena História Sobre Um Pirata
de Fábio Menezes.
Esse blog já vale por esse conto.
ResponderExcluirDemorei, mas li, e cheio de orgulho não apenas do jeito você esta escrevendo, e mais além, do jeito que você esta se fazendo.
Fantástico...